Soncent

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sexta-feira, 21 de abril de 2017

Crítica a Eileenístico

Ecos do Brasil, no blog Leia-se, aparece uma crítica a Eileenísco, que reproduzo aqui, com enlevo:

"a leste do paraíso"

a vida é + rica
por maneco nascimento

Caboverdiana de São Vicente, daquelas que dizem, os sopros de fadas, nasceu para entabular ideias e escritas e fabular narrativas, fora do universo do lúdico, fantástico, mágico e enleador das inocências em processo de perda da infância.

Centra pena na realidade e, sob licenças poéticas e um quase recorte de diário, vai enredando leitores e deixando uma doce e suave alegria às escritas e memórias verossimilhantes às expensas do bom hábito de leitura e escrita a seus interlocutores, ou melhor leitores.

De linguagem leve, português de coloquial rebuscado e um descritivo inteligente Eileen Almeida Barbosa, traz um cabedal de histórias bem humoradas, ora carregada de discurso feminino livre e eficientizado, ora um discurso masculino à posse da domínio feminino do eu prosaico-poético. Textos de contos e crónicas eficazes. De certa desenvoltura pragmática para conluir à coesão e coerência dinâmicas aos olhos do degustador de narrativas.

Histórias de memórias criadas ao repertório da autora/personagem escritora que germina metalinguagem na aplicação da deliberada actuação de escrever e prender a recepção.

Enredos que beiram ao sexual, sexual sem apelos e, por vezes, linguagem que desliza pelo realismo de escola brasileira, mas toda a construção da prosa amalgama liberdade de correr por correntes, sem perder o porto do textual moderno aos melhores contextos de escrevinhador.

Humor, alegria, felicidade na escrita e um criativo novelo de ariadne a percorrer labirintos que não se perdem do fio da meada, nem descambam no lugar comum, embora as histórias possam parecer simplistas, ganham pelo + simples, + próximo da verdade do artista e + dentro da aldeia (para não esquecer Gaudi).

As histórias enlevam olhos, o roubo dos roubos dos dois Renoir (um luxo de humor direto e prático de contar); os prostitutos (olhar masculino sob tutela do feminino discreto e factual); as fantasias "masculinas" de empoderamento feminino... e as memórias de verão, os primos, os revives; os romanceados distanciados, mas com viés romântico século 19; a linguagem "vulgarmente" limpa; a negação da negação da verdade; a verdade das mentiras nas mentiras da verdade, tudo tratado de forma que muito prazer deixa à leitura.

Linguagem de lírica moderna, sem pruridos de prisão à estética, mas só detenção na melhor técnica e apurado de licenciamentos que deixam os diálogos, construções frasais e períodos directos e detalhados ao fecho das oralizações contadas. Um léxico de matriz portuguesa afinizado e hibrido da língua-mãe de origem da autora, em consonância com o dinâmico de apropriação linguística natural de novos significados e significantes beletrista.

Metáforas poéticas, "a leste do paraíso"; "Vi-o passar à minha porta como uma idosa vê passar os Outonos"; "Escreverei palavras suando lágrimas dolorosas como facas empunhadas por mãos amigas...";  e os pragmáticos da realidade que se nos circunda "Parece que é sempre o silêncio o último a tomar posse das coisas. E dos mortos."

Um quase auto incensório, "(...) já teria cantado, da minha pena, poemas para milhentas canções de amor..."; "Se ao menos me tivesses dito desde o início que eras uma poetisa, eu teria sabido lidar melhor contigo (...) Só podias mesmo ser poetisa!".

Mas há também reflexões, como acerca de pedofilia, assédio disfarçado, tratados em tons mais sérios e, outros temas que vêm + em escala humorada, ou de liberdade de escolha e aceitação, como a passagem do namorado italiano, fantasias de Romeu e Julieta, amores negados...

Ou leituras que intertextualizam, indiretamente, com as narrativas, a ver Shakespeare, já citado; Robson Crusoé, ou outros ilhados; Garcia Lorca (A Casa de Bernarda Alba) ou Nelson Rodrigues (A Falecida), ou sentimentos emparedados, simplesmente, à guisa da auto negada, em "Esqueçam-me" e, ainda, como ser empoderada para devolver perfídia, em regurgito do tempo de esperas do tempo de redenção da paixão.

Humorados de crónicas jornalisticas, em narrativos orais, como em "Noivado" e "Casamento" que ganham contornos de fofoca refinada e cronismo social. E muito humor em "Autora Estreante" e humor de tomates mofados, em "Piquenique". E auto comiserado lírico e de ironia machadiana, em "Roubem!". E "O Vaso Precioso"; Natch"; "O desespero da outra" (o assasínio de uma das formigas felizes); "Confissões de uma Viúva". entre tantos "delicious writing"

Ninguém cria, ou recria, sem trazer algo de si. Talvez Eillen traga suas melhores memórias afetivas e transforme-as, num toque da maga do criador literário, em ficção feliz e competente a acto de escrita. Faze-o bem e domina seu "mètier" e, creio, não desagrava literatos, nem deve desagradar leitores. Por sorte, fico satisfeito.

"Eileenístico - Contos e Crónicas", de Eileen Almeida Barbosa é muito recomendável a uma leitura livre, leve e solta e de identidade de locais, linguagens, falas, vozes sociais e mérito de autora, em que nome da obra repercute identidade da escritora e não foge das intangibilidades do que há de humano em quaisquer uns de nosotros.

Boa leitura.

fotos/imagem: (reprodução)

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